26 de março de 2015

Cativeiro

Cresci como um animal em liberdade. Assim que podia saía de casa e ia para o meio das árvores, pisava a relva descalça, via o meu avô regar a horta e o meu pai a tratar dos animais. Nunca era hábito ficar muito tempo dentro de quatro paredes, até porque sendo criança e tendo uma terreno à minha disposição e dois cães para brincar era o paraíso. Era uma alegria vestir a roupa já gasta e suja para poder brincar à vontade com os joelhos na terra e as mãos nas ervas. Criar casas na seara com a minha irmã e só voltar para dentro do conforto do lar quando já os últimos raios de sol se tinham ido embora e nos deixado no lusco-fusco. Mas a vida decidiu mudar e o animal livre foi colocado em cativeiro. As horas passadas dentro de quatro paredes tornaram-se maiores e mais frequentes. Sabia onde encontrar árvores para me refugiar, mas não era o mesmo. O mundo seguro que conhecia desde criança estava inacessível, o espaço onde me podia perder e saber sempre o caminho para casa já não estava a uma simples porta de distância. O distanciamento foi crescendo, o cativeiro começou a apoderar-se e entretanto apareceu a cidade maior. Para minha surpresa consegui descobrir recantos naturais onde me sentia bem. Comecei a visitá-los, a familiarizar-me com eles, até que o tempo se tornou escasso, as responsabilidades se sobrepuseram e as visitas se tornaram cada vez menos frequentes. Agora que tenho pedaços de natureza à distância de um olhar, já não sei como me comportar, a minha alma ainda conhece a sensação de liberdade, mas o meu corpo já há muito se moldou ao cativeiro. Tenho de me ensinar de novo a explorar. 

1 comentário:

  1. as memórias do passado deixam marcas que usamos ou não no presente, por vezes queremos usar noutras já não... contudo depende sempre do presente, e da nossa cabeça que no antes, no agora e no depois mandou, manda e mandará sempre em tudo. ficar em cativeiro não é bom, aproveita o bom tempo e explora ;)

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